A nova Idade Média chegou

Já vivemos uma nova Idade Média.
Sim, com toda a nossa tecnologia e ciência e sofisticação e pose de superiores, já estamos vivendo a autodestruição de um império transnacional que começou a odiar a si mesmo e está se fragmentando em uma infinidade de feudos incomunicáveis.
Curiosamente, quem criou essa nova Idade Média foram justamente os que xingam a Idade Média original todo dia há décadas.
A causa Idade Média (da antiga e da nova) não é a religiosidade, como os autores da nova destruição pregam, mas a desintegração social, hoje promovida como “progresso”. A destruição das formas normais de convivência social pelo avanço da violência urbana, tão celebrada pelos intelectuais, pela destruição das bases do sistema judicial, tão celebrada pelos justiceiros do bem, pela rejeição de tudo o que mantém um mínimo de ordem social…
E, assim como na Idade Média original, os religiosos (no sentido literal e no metafórico) é que vão ter que proteger os livros e as outras obras do passado para a posteridade contra aqueles que a tudo querem destruir.

Teorias linguísticas posteriores a Ferdinand de Saussure

Nem só de Saussure vive a linguística. O estudante que começa aprender linguística e tem que aprender as dicotomias de Saussure (como langue e parole, sincronia e diacronia, significante e significado) muitas vezes fica com a impressão de que as posições de Saussure correspondem às posições adotadas por toda a linguística e por todos os linguistas.

Mas isso não é verdade. A importância de Saussure foi delimitar de modo muito mais claro várias possibilidades diferentes nos estudos da linguagem. Ele defendeu certas abordagens ao invés de outras. Muitos linguistas adotaram posições semelhantes às dele, mas, com o tempo, adaptaram tais posições, modificaram e, eventualmente, até se opuseram.  A importância de Saussure é que, muitas vezes, até teorias muito diferentes das ideias dele precisaram se posicionar com relação aos conceitos que ele desenvolveu.

Aqui, eu apresento de modo bastante resumido as características principais de quatro teorias que surgiram nos estudos linguísticos depois de Saussure.

Se preferir, você pode ver o vídeo que eu fiz a esse respeito:

 

ESTRUTURALISMO(S)

Abrange várias teorias ou grupos teóricos diferentes, com conceitos e métodos ligeiramente distintos, mas que costumavam concordar em alguns pressupostos gerais muito semelhantes às ideias de Saussure:

(i) língua como estrutura, entendida como rede de relações;

(ii) distinção entre sincronia e diacronia e preferência pela sincronia;

(iii) distinção entre língua (estrutura) e fala;

(iv) ênfase nos aspectos internos à língua e não na história social e cultural externa;

(v) ênfase nas peculiaridades de cada sistema linguístico e não em universais linguísticos. Foco maior na fonologia e na morfologia; em menor escala, na semântica lexical.

[Sobre o conceito de estrutura no estruturalismo, confira aqui: youtube | odysee]

Algumas subdivisões e alguns nomes relevantes:

– Roman Jakobson, Nikolai Trubetzkoy e Vilém Mathesius (Círculo Linguístico de Praga);

– Leonard Bloomfield e Edward Sapir (estruturalismo americano);

– Antoine Meillet, Émile Benveniste;

– Joaquim Mattoso Câmara Jr (considerado primeiro linguista brasileiro,

associado ao estruturalismo americano);

– Louis Hjelmslev (Círculo Linguístico de Copenhague).

Teorias surgidas a partir dos anos 1960 em reação e substituição ao estruturalismo…

 

GERATIVISMO

Desenvolvida por Noam Chomsky, essa teoria analisa a língua como objeto mental, como uma competência linguística ou gramática internalizada, que explica a criatividade do falante: capacidade de produzir e interpretar todas as frases da sua língua, mesmo as que nunca ouviu falar.

Opõe-se à concepção de língua como comportamento externo (adotada pela vertente americana do estruturalismo). Assume também que a linguagem tem base genética, com todas as línguas sendo fruto de uma Gramática Universal inata.

À primeira vista, o conceito gerativista de “gramática internalizada” se assemelha ao conceito de langue/língua de Saussure, por ser um sistema de possibilidades abstratas no cérebro do falante, mas o gerativismo enfatiza muito mais o aspecto individual dessa realidade. É o conhecimento da língua que o falante internalizou e faz parte da sua psique. Não é uma realidade supra-individual,  social, coletiva.

O foco do gerativismo está na comparação entre as línguas e universais linguísticos. Foco na estrutura sintática ou morfossintática.

[Sobre a diferença entre Gramática Universal e gramática internalizada, confira aqui: youtube | odysee]

 

SOCIOLINGUÍSTICA

Associada principalmente a William Labov, foca na tentativa de compreender o mecanismo da mudança linguística: não apenas em apontar que mudanças aconteceram, mas como elas ocorrem. Para isso, estuda a variação sincrônica, buscando os fatores estruturais e principalmente sociais que influenciam as escolhas linguísticas do falante.

Analisa a mudança através de dados sincrônicos, negando a separação estrita entre sincronia e diacronia. Foco no vernáculo, a fala com menor grau de monitoramento.

Assume que o sistema linguístico é intrinsecamente heterogêneo. Outros nomes: sociolinguística variacionista, sociolinguística quantitativa, teoria da variação. Foco maior na variação fonética e, em menor grau, na variação sintática.

[Sobre o conceito de vernáculo, confira aqui.]

 

FUNCIONALISMO

O Círculo Linguístico de Praga, do estruturalismo europeu, costumava ser chamado de “estruturalismo funcional” ou “funcionalismo”, mas hoje o termo se refere a teorias não-estruturalistas, que rejeitam a separação entre sincronia e diacronia, bem como entre língua e fala.

Tem o foco no uso da língua como meio de interação social, descrevendo uma competência comunicativa. A fala é que criaria a estrutura linguística (se é que existe estrutura linguística).

Adota uma abordagem pancrônica, assumindo que fatos sincrônicos podem ter explicações diacrônicas. Busca explicar universais linguísticos como fruto de propriedades não linguísticas, como universais comunicativos. Foco nas motivações pragmáticas para a morfossintaxe.

[Sobre a concepção de mudança linguística no funcionalismo, confira aqui.]

 

OUTRAS TEORIAS:
(i) linguística textual (“texto” no sentido de sequência linguística maior do que a frase, seja oral ou escrita).

(ii) linguística cognitiva (ou semântica cognitiva).

(iii) semântica formal.

(iv) teoria da otimalidade (foco na fonologia).

(v) análise do discurso (embora possa ser considerada como uma área diferente da linguística; influência da linguística, da psicanálise e da teoria marxista).

Etc.

A evolução do termo “negacionista”

De 1950 a 2019: “pessoa que nega o holocausto praticado pela Alemanha nazista”.

MARÇO 2020: “quem nega a existência do vírus covid-19”.

ABRIL 2020: “quem reconhece a existência do vírus, mas discorda das políticas adotadas para combatê-lo sem haver mais informações a respeito de sua eficácia”.

MAIO 2020: “quem reconhece tanto a existência do vírus que busca tratamentos imediatos para quem foi contagiado, tentando evitar mais mortes”.

JUNHO 2020: “quem acha um absurdo proibir pobres de trabalharem para se sustentar e acha que eles podem sim trabalhar, adotando as medidas de proteção”.

SETEMBRO 2020: “quem acha hipocrisia proibir as pessoas de trabalharem para se sustentar enquanto se liberam comícios, campanha eleitoral e a aglomeração do voto obrigatório durante a pandemia”.

DEZEMBRO 2020: “quem acha hipocrisia proibir a comemoração do Natal pelas famílias, depois de terem liberado comícios e aglomerações na eleição”.

FEVEREIRO 2021: “quem acha errado que a vacina seja obrigatória antes de termos informações suficientes sobre ela”.

ABRIL 2021: “quem acha que existem vacinas mais eficazes do que outras e que tenta tomar alguma vacina mais eficaz”.

MAIO 2021: “quem fica preocupado com efeitos colaterais de vacinas, anunciados e investigados pelas próprias agências de saúde de vários países diferentes”.

JUNHO 2021: “quem acha hipocrisia fazerem campeonato brasileiro e campeonatos estaduais, mas tentarem proibir a Copa América”.

AGOSTO 2021: “quem acha que vacinados não precisam mais usar máscaras, por já estarem imunizados contra o vírus”.

SETEMBRO 2021: “quem acha estranho que quem já teve a doença e já desenvolveu anticorpos precise ser obrigado a se vacinar, violando os direitos humanos”.

OUTUBRO 2021: “quem acha errado prender ou demitir pessoas por não terem se vacinado ainda, para proteger quem já se vacinou e já está imunizado”.

 

Comentário: O mais interessante de tudo isso é que, apesar de “negacionista” ser usado em todos esses sentidos completamente diferentes, a carga emocional associada ao seu uso é a mesma presente nos dois sentidos originais.

O termo é usado como se estivesse se referindo a algum neonazista (claro, todo mundo que discorda de você é neonazista, não é?) ou a alguém que nega a existência da doença… mesmo quando usada para xingar quem está discutindo a melhor maneira de tratar a doença!

Isso não é só hipocrisia: é manipulação descarada da linguagem.

Minicurso: “Modalidade e verbos modais”

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está promovendo um minicurso ministrado pelo Prof. Dr. Marcelo Ferreira da Universidade de São Paulo. O tema é “Modalidade e verbos modais”.

O evento é online e a inscrição é por este link: aqui. Confiram mais informações no cartaz abaixo.

O professor Marcelo Ferreira é especialista em semântica formal e tem trabalhos publicados sobre o tema modalidade.

Quem nunca tiver ouvido falar de modalidade antes e quiser ter uma ideia, há aqui no site um texto introdutório sobre o tema verbos modais no português brasileiro.

Paulo Freire à esquerda e à direita

O texto abaixo é Alexandre Magno Fernandes Moreira e reflete a posição que considero a mais realista e sóbria sobre Paulo Freire, um autor que é idolatrado por uns e demonizado por outros, em ambos os casos por motivos completamente exagerados.

 

100 anos do nascimento de Paulo Freire: breves notas

1. Ele se tornou para a esquerda um símbolo de tudo o que é bom na educação. A direita, como reação, escolheu-o como um símbolo de tudo que há de ruim na educação brasileira. Na verdade, a direita foi além, condenando-o como o grande culpado das mazelas da educação brasileira.

2. Nenhuma das visões corresponde à realidade. A influência de Paulo Freire na educação brasileira, seja positiva ou negativa, é muito menor do que diz um lado ou outro.

3. Ele não criou a rigor uma pedagogia, mas expôs, de forma pouco estruturada e confusa, uma filosofia da educação. O único método efetivamente criado por ele se referiu à educação de jovens e adultos. Quase nada do que ele propôs foi aplicado e nem creio que seja aplicável.

4. Se a esquerda tem algum respeito por Paulo Freire, nunca deveria tê-lo colocado (por lei!) como patrono da educação brasileira. Isso é uma acusação e não uma homenagem.

5. A direita precisa evoluir e ultrapassar essa fixação em Paulo Freire. Essa é uma confissão de inépcia, de desconhecimento da história da educação brasileira e das diversas e complexas causas de seu fracasso.

6. Enfim, Paulo Freire é um personagem menor na história da educação brasileira. Porém, virou um ícone no debate público, divinizado por uns e demonizado por outros. Precisamos relegá-lo às empoeiradas bibliotecas dos cursos de Pedagogia e começar a resolver os problemas reais da educação brasileira.

Fonte: aqui.

 

A situação descrita acima é tão verdadeira que, diante das acusações de “causa do fracasso da educação brasileira”, uma defesa comum dos admiradores de Freire é dizer que: “mas o método Paulo Freire não é aplicado de verdade no Brasil em nenhum lugar“. Pois é. Se não é aplicado, tanto seus críticos quanto seus defensores estão completamente errados.

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Advertência: Se você é um graduando em pedagogia ou licenciatura, especialmente de uma universidade pública, para seu próprio bem, não saia esculhambando Paulo Freire nas aulas em que algum professor começar a exaltá-lo apenas com base em frasezinhas vazias sobre “amor” que não dizem nada sobre a educação real e que não refletem em nada a posição pedagógica real dele. Para que se indispor com os idólatras do culto a Freire que corrigem avaliações que você faz? E quem disse que VOCÊ tem alguma base cultural para realmente avaliar a questão de forma séria? Se você realmente tem interesse no tema, vá estudar por conta própria sobre história da educação, mas sempre procurando por visões diferentes.