Ortografia não é a língua: “assalto a banco frustrado por caligrafia ruim”

Uma coisa muito importante para o estudante de Letras se dar conta é que a língua real, a língua de fato, é a sua modalidade falada. A escrita é uma tecnologia, criada milhares de anos depois de as línguas existirem, para registrar a língua para a além do momento único do seu uso.

A escrita possui necessidades e regras próprias, decorrentes do fato de que ela se baseia num meio visual, precisa de um suporte material físico (como uma folha de papel ou uma tábua) e não possui os elementos contextuais da comunicação oral (ou por sinais) direta. Além disso, a ortografia e o formato correto das letras é algo completamente independente do domínio real do idioma por parte de alguém.

Alguém pode ser um falante fluente de uma língua e cometer erros ortográficos por falta de treino. Também pode ter uma caligrafia péssima e isso não reflete em nada a sua capacidade de falar a língua. Um caso inusitado que confirma isso é a notícia abaixo, de  um homem na Inglaterra que tentou assaltar um banco, mas não conseguiu porque o atendente não conseguiu entender o bilhete com as exigências do assaltante. A caligrafia ruim impediu uma comunicação (e, felizmente, um assalto), algo que dificilmente teria acontecido numa comunicação oral. Mesmo se o ouvinte não entendesse o que lhe foi dito oralmente, o falante poderia facilmente repetir a frase, reformulá-la, falar mais alto e de modo mais claro.

May be an image of 1 person and text

A “imagem acústica” não é uma imagem

Na minha experiência como professor universitário, um conceito que apresenta muita dificuldade para quem começa a estudar linguística e letras é o de “imagem acústica” como uma das partes do signo linguístico segundo Ferdinand de Saussure.

Partes do signo linguístico. Ilustração retirada do livro “Curso de linguística geral”.

 

Na maioria dos casos, duas coisas acontecem:

(i) os alunos não entendem direito o conceito e se conformam com o fato de não terem entendido;

(ii) entendem ERRADO, acham que entenderam certo e começam a repassar a interpretação fantasiosa por aí.

Já vi gente dando aula sobre o assunto em vídeos por aí e transmitindo a interpretação completamente equivocada do que esse conceito significa. O curioso é que, no texto de Saussure, este não parece ter de fato cunhado essa expressão. Tanto que ele propõe a troca de “imagem acústica” por “significante” justamente para FUGIR dos malefícios dessa expressão…

Mas os malefícios citados por ele eram bem diferentes dos equívocos que se cometem hoje no Brasil com relação a essa expressão.

O problema é que os alunos focam muito na parte “imagem” e passam automaticamente a imaginar que a “imagem acústica” é de fato uma imagem visual do referente da expressão. Você, leitor, provavelmente até estranhou o meu uso da sequência “imagem visual”. “Toda imagem não é visual?” Huuummm… Não. O termo imagem, em algumas ocasiões, pode ser usado no sentido de qualquer tipo de representação, ainda que não visual.

Mas eis a dificuldade. Os alunos imaginam que a imagem acústica de um signo é um tipo de fotografia mental do objeto a que esse signo se refere. Se o signo for “árvore”, então a imagem acústica seria um imagem, um desenho, uma fotografia mental de uma árvore dentro da cabeça da pessoa. O problema é que, na expressão “imagem acústica”, a palavra-chave é “acústica”.

É uma imagem da acústica da palavra. Uma imagem das propriedades acústicas, das propriedades sonoras da palavra. Tudo fica mais claro se trocarmos “imagem” por “representação”. O signo linguístico é composto por uma “representação acústica” e por um conceito. Ou, como eu gosto de dizer, por uma “representação sonora” mais uma “representação conceitual“.

Ao compreender que “imagem” significa “representação” e não “figura visual”, tudo fica mais claro. Inclusive, devemos olhar para as outras ilustrações que constam no Curso de Linguística Geral para entendê-las melhor à luz disso. Vejam as ilustrações abaixo:

Ilustração das partes do signo linguístico do latim ‘arbor’.

 

Se a pessoa entendeu errado a noção de “imagem acústica”, essas representações vão apenas confundi-la ainda mais, pois uma delas traz exatamente um desenho de uma árvore. Só que Saussure não está usando o desenho para representar a imagem acústica, o significante. Ele está usando para representar a outra parte do signo: o conceito.

Na primeira ilustração do par, temos: arbor (sem aspas na ilustração) e “árvore” (com  aspas na ilustração). Ele está ilustrando a palavra arbor do latim. Na ilustração, arbor representa a imagem acústica ou significante, ou seja, a representação sonora da palavra, a representação de como ela é pronunciada. Já o “árvore” tem aspas justamente porque é uma tentativa de ilustrar a representação do conceito de árvore.

Mas estejam atentos para algo importante: o modo como os conceitos são tratados na nossa mente e nas línguas ainda era uma questão a ser investigada. Saussure não estava dizendo como os conceitos efetivamente se estruturam. Então, ele  fornece uma ilustração alternativa, em que ele coloca uma figura de uma árvore como forma de ilustrar o conceito de árvore. Nessa segunda ilustração do par, arbor continua representando a imagem acústica, o significante, a representação sonora do signo. E o desenho de uma árvore representa o conceito de árvore, pois não era implausível que referentes visuais talvez tivessem seu conceito associado, de algum modo, à forma visual que tais objetos possuíssem.

O trio de ilustrações abaixo deixa claro como o desenho da árvore usado por Saussure não é para ilustrar a imagem acústica, o significante, mas sim para ilustrar o conceito, o significado.

 

No canal Linguística, tenho um vídeo sobre esse assunto (cf. abaixo) e sobre muitos outros:

Fake news toscas x fake news gourmet

As fakes news do povão são o menor problema da democracia, justamente porque elas são tão toscas que a falsidade é imediatamente percebida pela maioria… Ou então são absolutamente irrelevantes.

Perigosas mesmo são as fake news com pedigree, as fake news gourmet, com orçamento milionário e alta qualidade de equipamento de gravação, espalhadas pelas imprensa dita profissional.

Fake news tosca:

 

Mas nem para essas a solução é a censura, como pregam os caçadores de fake news (mas que nunca se preocupam com as fake news gourmet…).

A solução é mais e mais e mais abertura para o debate e para a circulação de informações. Só o confronto aberto da maior quantidade possível de informações funciona. O resto é ditadura e censura.

Fake news gourmet:

 

 

Fontes do Alfabeto Fonético Internacional (IPA)

O Alfabeto Fonético Internacional (IPA, International Phonetic Alphabet) foi criado no século XIX para ser uma referência para a representação da pronúncia de sons encontrados nas línguas humanas. É amplamente usado nos estudos linguísticos, mas também em dicionários de línguas estrangeiras.

Alguns dos símbolos do IPA estão disponíveis no Word, na função “inserir símbolos”, mas nem todos constam lá. Uma opção prática é usar fontes criadas especialmente para o IPA.

Abaixo, links para quatro versões da fonte SILDoulos IPA93:

SILDoulos IPA – Regular .

SILDoulos IPA – Negrito .

SILDoulos IPA – Itálico .

SILDoulos IPA – Negrito-itálico.

Instruções para instalar:

Primeira opção: Baixe no computador. Para instalar, clique duas vezes para abrir o arquivo. Vai abrir uma tela como a da imagem abaixo. Clique em “Instalar” no canto superior esquerdo.

 

Segunda opção: Baixe no computador. Ao invés de abrir o arquivo, clique uma vez com o botão direito do mouse, como na imagem abaixo.