Parâmetro do Sujeito Nulo: propriedades

Para entender o que é o Parâmetro do Sujeito Nulo, primeiro é necessário compreender a Teoria de Princípios e Parâmetros, segundo a teoria da Gramática Gerativa.

Você também pode conferir o conteúdo deste artigo em formato de vídeo:

Princípios e Parâmetros (P&P): É uma teoria que tem como objetivo dar conta:

(i) do que há de comum em todas as línguas;

(ii) do que há de diferente nas línguas;

(iii) da rapidez da aquisição da linguagem por parte da criança, considerando a complexidade do sistema linguístico.

Princípios seriam propriedades linguísticas universais, obrigatórias, que todas as línguas precisam manifestar. Parâmetros seriam propriedades linguísticas também obrigatórias, mas que se apresentam como opções binárias: para cada parâmetro, a língua manifestaria uma ou outra das opções pré-definidas. Tanto os princípios quanto os parâmetros seriam determinados geneticamente, estariam presentes desde antes da aquisição começar, na Gramática Universal[1].

Quais são os princípios e os parâmetros?

A lista dos princípios e parâmetros da linguagem humana é questão de investigação científica, algo a ser descoberto a partir da descrição das línguas do mundo.  Vários já foram propostos e estão sendo investigação, com os linguistas tentando confirmá-los ou refutá-los. O primeiro parâmetro a ser proposto e o mais estudado até agora é o Parâmetro do Sujeito Nulo.

Parâmetros como conjuntos de propriedades

A ideia original sobre parâmetros não é opor apenas duas propriedades, mas dois conjuntos de propriedades. A marcação de um parâmetro por parte da criança significaria a definição rápida de várias propriedades linguísticas simultaneamente, o que explicaria a rapidez da aquisição da linguagem. Além de a criança não precisar descobrir por si mesma explicitamente um monte de propriedades linguísticas altamente abstratas, ela também adquiria várias propriedades diferentes em bloco, não uma por uma.

Quais seriam as propriedades que diferenciam línguas de sujeito nulo (“línguas pro-drop”) e línguas de sujeito realizado (línguas não pro-drop)? Eis a lista:

I) Sujeito nulo referencial: Italiano, espanhol e português permitem que o sujeito referencial (o que designa algum ser no mundo) seja nulo; línguas como inglês e francês não permitem[2]. Notem que o asterisco antes da sentença indica que ela é agramatical.

(1) João disse que __ vai trabalhar no final de semana. (sujeito nulo)

(2) João disse que ele vai trabalhar no final de semana. (sujeito pronominal explícito)

(3) *John said that __ is working in this weekend. (sujeito nulo).[3]

(4) John said that he is working in this weekend. (sujeito pronominal explícito)

II) Sujeito nulo não-referencial (ou “expletivo” ou “impessoal”): Sujeitos sem referente no mundo devem ser nulos em italiano, espanhol, português. E devem ser realizados em inglês, francês.

Verbos climáticos:

(5) __ choveu/nevou/relampejou ontem. (sujeito nulo não-referencial)

(6) *Isso choveu/nevou/relampejou ontem. (sujeito pronominal não-referencial)

Verbos existenciais:

(7) __ havia/tinha muita gente na festa. (sujeito nulo não-referencial)

(8) *Isso havia/tinha muita gente na festa. (sujeito pronominal não-referencial)

Verbos climáticos:

(9) * __ rained/snowed.  (sujeito nulo não-referencial)

(10) It rained/snowed. (sujeito pronominal não-referencial)

(11) *__ were lots of people at the party.  (sujeito nulo não-referencial)

(12) There were lots of people at the party. (sujeito pronominal não-referencial)

 

III) Atribuição de nominativo à direita: Línguas como italiano, espanhol e português atribuem caso nominativo ao sujeito à direita do verbo; línguas como inglês e francês não fazem isso.

(13) Sou/fui eu. (sujeito à direita e com caso nominativo/reto)

(14) *É mim. (sujeito à direita e sem caso nominativo)

(15) *Am/was I. (sujeito à direita e com caso nominativo/reto)

(16) It is/was me. (suposto sujeito à direita e sem caso nominativo/reto; neste exemplo, o “it” é colocado para ocupar a posição de sujeito; temos, então, um sujeito não-referencial preenchido)

IV) Inversão livre do sujeito: O sujeito pode ser movido para depois do SV (sintagma verbal) em italiano, espanhol e português; não pode ser movido em inglês e francês.

(17) __ Jogaram a bola os meninos.[3]

(18) *__ threw the ball the boys.

(19) The boys threw the ball.

 

V) Posição do objeto de sentenças passivas (promovido a sujeito): Línguas como italiano, espanhol e português permitem que o objeto direto (promovido a sujeito) de passivas permaneça na posição original de objeto; línguas como o inglês e o francês não permitem isso.

(20) __ Foram convidados alguns estudantes para a reunião.

(21) *__ were invited some students for the meeting.[4]

(22) Some students were invited for the meeting.

VI) Presença ou ausência do efeito that-trace (“que-vestígio”): O efeito “that-trace” se refere ao fato de que logo após uma conjunção completiva (complementizador) como “that” não pode ocorrer uma lacuna (ou vestígio, i.e. “trace”), fruto da extração do sujeito para outra posição.

Esse efeito ocorre em inglês, tornando a frase resultante agramatical. Mas esse mesmo efeito não ocorre em italiano, espanhol e português: o sujeito de uma oração subordinada introduzida pela conjunção “que” pode ser movido, deixando a posição vazia, sem problemas.[5]

(23) *Who did you think that __ robbed the bank?

(24) Quem você acha que __ roubou o banco?

Notem:

(i) No exemplo em (23), “who” é sujeito do verbo “robbed”. É o sujeito da oração subordinada, mas é movido para o início da oração principal para fazer a pergunta. A oração subordinada, portanto, possui sujeito, mas este não está fisicamente na posição específica de sujeito. O resultado é um aparente sujeito nulo, que faz a sentença ser agramatical em inglês.

(ii) Também em português o “quem” no exemplo em (24) é o sujeito de “roubou”, mas o movimento desse pronome interrogativo para o início da frase não causa problemas na sentença.

(iii) Esse problema em inglês só ocorre quando o elemento movido é o sujeito; se a pergunta for sobre um objeto ou sobre um adjunto, o movimento do pronome não causa problemas.

(25)     What do you think that John robbed __?

 

Em resumo:

PARÂMETRO DO SUJEITO NULO
Propriedades Línguas marcadas positivamente Línguas marcadas negativamente
Permitem sujeito nulo referencial SIM NÃO
Permitem sujeito nulo não-referencial SIM NÃO
Atribuem nominativo à direita SIM NÃO
Permitem inversão livre do sujeito SIM NÃO
Permitem que o objeto de passivas permaneça in situ SIM NÃO
Efeito that-trace NÃO SIM

 

Importante: Por conveniência, ilustramos as propriedades de línguas de sujeito nulo com frases do português brasileiro, mas o ideal seria usar frases do italiano, do espanhol e do português europeu. Quanto ao português brasileiro, existe uma discussão se este estaria perdendo as propriedades de língua de sujeito nulo e se tornando uma língua de sujeito obrigatório, o que é tema para outros textos.

 

NOTAS:

[1] Para a diferença entre Gramática Universal e gramáticas internalizadas, veja este vídeo: no Youtube . Link alternativo: no Odysee .

[2] Tenham em mente que estamos falando do sujeito de orações finitas declarativas. Sentenças infinitivas e imperativas, por exemplo, permitem sujeito nulo mesmo nas chamadas línguas de sujeito obrigatório. A função de sujeito sentencial é intrinsecamente relacionada à finitude da oração.

[3] Esse tipo de frase, na verdade, nem sempre é natural no português brasileiro, enquanto é bastante produtiva em línguas como italiano e espanhol. Discutiremos isso depois.

[4] Quem estuda inglês pode notar que existe um tipo de sentença em que o objeto direito de passivas pode permanecer dentro do SV, mas isso só ocorre com verbos bitransitivos, em que é possível que o objeto indireto é que seja passivizado no lugar o objeto direto. Nesse caso, a generalização continua se aplicando: um dos dois objetos sempre tem que ser movido para antes do verbo; os dois não podem ficar dentro do SV ao mesmo tempo:

(i) She gave me a book.     (sentença ativa)

(ii) I was given __ a book.    (sentença passiva com o objeto indireto movido para a posição de sujeito)

(iii) *__ was given me a book. (sentença passiva sem nenhum objeto movido para sujeito)

[5] O inglês resolve isso omitindo o efeito that-trace deletando obrigatoriamente o “that” nesse contexto. A frase abaixo é o modo como essa interrogativa é feita em inglês. É uma questão de pesquisa sobre o inglês por que é que essa língua passa a aceitar esse sujeito nulo quando o “that” é apagado.

(i) Who did you think robbed the bank?

Profª Maria Moura Neves fala sobre a “linguagem neutra”

A Profª Drª Maria Helena Moura Neves tem uma longa carreira na linguística brasileira. É autora de diversos livros na área. Hoje, dia 31 de março de 2022, saiu na Folha de São Paulo uma matéria em que ela fala sobre o assunto da chamada “linguagem neutra”, que está muito na moda atualmente.

Vocês podem conferir o texto completo da matéria clicando aqui.

E pode ver o vídeo com comentários sobre a matéria aqui:

Neonazismo brasileiro: um espantalho

Um texto que eu escrevi em dezembro de 2019:

NEONAZISMO BRASILEIRO: UM ESPANTALHO

A possibilidade de um movimento nazista ou neonazista conseguir algum apoio significativo no Brasil é mais do que ridícula ou patética. É menor do que zero.

Não porque o povo brasileiro esteja em algum nível de consciência muito superior. Basta ver como a outra ideologia igualmente psicopata e genocida — o comunismo — tem uma base de apoio tão grande aqui. A questão é que o Brasil nunca foi nem nunca será um terreno fértil para a ideologia nazista especificamente.

Em primeiro lugar, falta no Brasil o próprio público-alvo dessa ideologia. A esmagadora maioria da população branca brasileira não se sente ariana ou “racialmente pura”.

Em segundo lugar, mesmo quem poderia se sentir assim não vai, pois não existe uma subcultura branca que faça separação efetiva entre brancos e pardos/mestiços brasileiros. Não, nós nem precisamos analisar as relações pessoais entre brancos e negros no Brasil. As relações entre brancos e pardos de diversos tons já bastam. Todos os laços de amizade e solidariedade se estendem muito além da tonalidade específica da pele.

Terceiro, é impossível o surgimento de um nacionalismo racial com apoio significativo no Brasil, pois não existe “raça original” brasileira nem factualmente nem imaginativamente. Nenhuma das etnias que convivem no Brasil se sente a raça original de nosso país. Mesmo nos casos em que o sentido de “original” poderia ser reclamado, este só aparece como dissociado da identidade brasileira e como inimigo desta identidade.

Dentre os índios, poderia surgir um movimento de “raça original do território”? Talvez, mas este seria um movimento que renegaria o rótulo “brasileiro”, pois seria uma influência dos invasores. Além do mais, os índios não têm sequer população suficiente para ser uma ameaça.

Dentre os descendentes dos imigrantes germânicos, italianos, poloneses etc poderia surgir um movimento de nacionalismo racial? Talvez, mas este também seria um movimento anti-brasileiro, portanto teria a sua difusão bloqueada pela própria contradição estrutural de que todo o seu público-alvo é falante de português brasileiro e não da língua mãe do movimento.

Todo foco de neonazismo no Brasil está condenado a ser ação de lobos solitários patéticos isolados ou a gangues locais com menos membros do que qualquer igrejinha de bairro.

As ações de tais focos devem continuar sendo monitoradas pelas polícia, mas todo e qualquer clamor de ~intelequituais~ avisando sobre a suposta ameaça nazista que está se levantando no país é apenas babaquice de quem quer inventar um espantalho de inimigo para conseguir defender outra ideologia igualmente assassina e muito mais difundida, que é o socialismo.

A nova Idade Média chegou

Já vivemos uma nova Idade Média.
Sim, com toda a nossa tecnologia e ciência e sofisticação e pose de superiores, já estamos vivendo a autodestruição de um império transnacional que começou a odiar a si mesmo e está se fragmentando em uma infinidade de feudos incomunicáveis.
Curiosamente, quem criou essa nova Idade Média foram justamente os que xingam a Idade Média original todo dia há décadas.
A causa Idade Média (da antiga e da nova) não é a religiosidade, como os autores da nova destruição pregam, mas a desintegração social, hoje promovida como “progresso”. A destruição das formas normais de convivência social pelo avanço da violência urbana, tão celebrada pelos intelectuais, pela destruição das bases do sistema judicial, tão celebrada pelos justiceiros do bem, pela rejeição de tudo o que mantém um mínimo de ordem social…
E, assim como na Idade Média original, os religiosos (no sentido literal e no metafórico) é que vão ter que proteger os livros e as outras obras do passado para a posteridade contra aqueles que a tudo querem destruir.