LINGUÍSTICA X GRAMÁTICA: A CONVERSA MOLE DE SEMPRE
É muito comum entre os estudantes e mesmo entre professores da área de Letras e de Linguística uma visão extremamente negativa da Gramática Tradicional e de tudo o que diga respeito à padronização da linguagem culta.
Isso resulta em parte da necessidade inicial de estabelecer claramente nos novos estudantes a diferença de método, de objetivos e de escopo entre a Linguística e a Gramática, entre a postura descritiva e a prescritiva. Mas isso acaba assumindo um tom extremamente exagerado, algo que mostra justamente o contrário: a necessidade de combater a Gramática Tradicional surge justamente da falta de segurança quanto às diferenças entre os escopos das duas atividades. Ou da falta de auto-estima da pessoa com relação à área que escolheu para seguir: ela precisa desmerecer a Gramática para exaltar a sua área e a si mesma.
OS “ERROS” DA GRAMÁTICA
Apenas um exemplo. É extremamente comum que professores de Letras/Linguística queiram demonstrar a superioridade da Linguística listando descrições ou definições problemáticas ou falhas que se encontram nas gramáticas tradicionais.
Um dos exemplos favoritos é de como a definição de SUJEITO como “ser sobre o qual se fala” pode ser questionada, já que nem sempre o sujeito é realmente o assunto da frase em que ocorre. No discurso simplista do linguista fazendo auto-promoção para alunos ingênuos do primeiro semestre do curso, esse tipo de imprecisão real ou fictícia nas gramáticas tradicionais prova de modo irrefutável a superioridade da Linguística sobre a Gramática, ignorando completamente que ambas têm objetivos muito distintos entre si.
O problema desse tipo de exemplo é claro para qualquer um com um pouco mais de conhecimento real da ciência da linguagem: é que a mesmíssima crítica também vale para todos os conceitos que existem no universo da Linguística. É praticamente impossível achar algum conceito da Linguística que não seja também problemático e digno de reformulação ou mesmo de abandono.
GRAMÁTICA COMO VANTAGEM TECNOLÓGICA
Um pequeno antídoto contra esse ódio à tradição gramatical pode ser encontrado no livro “A revolução tecnológica da gramatização” de Sylvain Auroux, pesquisador em história das ideias linguísticas.
O objetivo dele não é fazer uma apologia da Gramática Tradicional, mas ele mostra que a invenção de gramáticas e de dicionários (enfim, a tradição gramatical como um todo,que ele denomina de gramatização) deve ser vista como uma REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA no mesmo sentido da revolução industrial, da invenção dos computadores etc.
Assim como a própria escrita, gramáticas e dicionários são tecnológicas que concederam vantagens enormes para as sociedades em que surgiram. Estas invenções contribuíram para o seu progresso econômico e material das sociedades que a adotaram.
Esta obra sequer é nova. A edição original é de 1992. É curioso como existe um movimento forte na linguística brasileira de pintar a tradição gramatical como algo intrinsecamente nocivo, que promove atraso e pobreza, quando trabalhos sérios e renomados como o de Auroux mostram exatamente o contrário.
Fica aqui apenas a recomendação de leitura desse livro.