Notas sobre o resultado da eleição

Algumas notas sobre o resultado eleitoral de ontem:

1) É normal ficar triste, decepcionado, cabisbaixo por torcer muito para um candidato e vê-lo perder. Mas não é normal em absolutamente nada o desespero, a completa falta de noção e a reação desproporcional diante do fato de que, após ganhar quatro eleições SEGUIDAS, o seu partido não conseguiu ganhar a quinta. Há gente adulta chorando mais do que diante da perda de um pai ou mãe. Há adulta tendo crise diante de cenas de crianças brincando de polícia e ladrão. Há gente cogitando suicídio! Há gente propondo suicídio coletivo!!!

Isso não é discordância. Isso é histeria gerada por conviver e/ou admirar loucos. Não estou usando uma figura de linguagem. Falo de uma situação patológica de fato. Há estudos psiquiátricos sobre como a infiltração, em organizações e em movimentos sociais, de pessoas com patologias psicológicas graves, incluindo psicopatia, espalha pelas demais pessoas uma situação de histeria e irrealidade. 

2) A melhor maneira de superar os traumas (os reais e os imaginários) do regime militar é justamente chegarmos a um grau de maturidade em que seja possível ter um presidente de origem militar e um mandato normal (bom ou ruim, mas normal), em que as liberdades sejam preservadas. Qualquer pessoa normal deveria torcer por isso agora.

3) Mas há aqueles que, além de não torcerem por isso, são incapazes de aceitar se isso ocorrer. Há gente que vai entrar em crise e se tornar ainda mais histérica se nenhuma previsão apocalíptica se cumprir. Sabe por quê? Porque o receio de alguns é real, mas o receio de muitos outros é criado artificialmente, devido à repetição infinita de slogans. Eles não falam o que acreditam, mas passam a acreditar naquilo que repetem. Eles forjaram parte da sua identidade pessoal com base na ideia de que são o monopólio da bondade. Alguns deles sonham em poder se gabar de que foram vítimas de uma ditadura. Eles desejam um ditadura, mesmo que apenas um simulacro de ditadura, para poderem se sentir heróis. Quando não encontram uma possibilidade real de viverem esse sonho, projetam isso sobre qualquer situação banal. Uma mera discordância em uma conversa vira uma ato de “agressão”. Para essas pessoas, deparar-se com um governo normal (bom ou ruim) não é apenas uma constatação difícil. Seria uma ruptura traumática de sua identidade pessoal. Meu conselho: não se deixem cair nessa armadilha mental feita para imbecilizar as pessoas.

“A gramática não ‘estabelece’ a norma culta” – equívocos do livro “Preconceito Linguístico”

No famoso livreto Preconceito Linguístico: o que é, como se faz, Marcos Bagno critica os gramáticos por dizerem que “A Gramática normativa estabelece a norma culta“. Segundo Bagno, seria um absurdo dizer algo desse tipo, pois…

“não é a gramática normativa que “estabelece” a norma culta. A norma culta simplesmente existe como tal. A tarefa de uma gramática seria, isso sim, definir, identificar e localizar os falantes cultos, coletar a língua usada por eles e descrever essa língua de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e metodológicos coerentes.” (Preconceito linguístico, 2007, p. 65)

No entanto, essa crítica de Bagno simplesmente não tem fundamento. O que Bagno faz é apenas se negar a reconhecer um uso bastante comum que o verbo “estabelecer” possui. Notem os exemplos abaixo:

Ex. 1: “Jacobus Cornelius Kapteyn estabeleceu as dimensões da nossa galáxia…” (Fonte: aqui)

Ex. 2: “Mustier (…) estabeleceu as dimensões da fraude depois de interrogar Kerviel durante toda a noite de sábado.” (Fonte: aqui)

Ninguém jamais imaginaria que essas frases significam que as dimensões da galáxia ou da fraude inexistiam antes de Kapteyn ou antes do interrogatório de Kerviel, tendo sido criadas por estes. O significado de “estabelecer” nesses exemplos não é o de “criar”, mas o “determinar” (no sentido de “descobrir”) ou “organizar e formalizar explicitamente” alguma informação.

O mesmo ocorre na frase criticada por Bagno acima. Quando os gramáticos dizem que “a gramática normativa estabelece a língua“, eles já estão dizendo exatamente aquilo que Bagno alega, contra eles, que seria a visão correta sobre o tema: a gramática define e identifica os usuários da linguagem culta e descreve os usos dessa linguagem de modo claro e objetivo.

É muito estranho que alguém como Bagno, que afirma celebrar a diversidade e variação lingüística, se irrite tanto com aquilo que é simplesmente um dos significados bastante comuns de um verbo como “estabelecer”.

Em suma, não há razão, portanto, na crítica feita por Bagno. O motivo real de seua crítica não é algum erro presente na declaração dos gramáticos, mas sim uma divergência que há entre Bagno e estes com relação a quais devem ser os critérios para identificar e descrever a linguagem culta . Para os gramáticos, a linguagem culta a basear a norma linguística deve ser encontrada na alta literatura, naqueles autores e obras cujo valor sobrevive ao teste do tempo. Para Bagno, ao contrário, a linguagem culta a servir de modelo de norma linguística deve ser encontrada no que ele chama de “língua culta real”, que é a linguagem das pessoas tidas como cultas na atualidade, o que, na prática, é simplesmente a linguagem de hoje das classes altas, ou seja, os modismos passageiros dos ricos e endinheirados, que estejam em posições mais altas da escala social. Por algum motivo estranho, Bagno considera que sua própria abordagem é mais democrática e mais popular e que, portanto, deve substituir completamente a abordagem “elitista e discriminatória” dos gramáticos. Mas isso é um tema para outro texto.

As línguas de sinais no cinema: “Um lugar silencioso”

Além de ser um dos filmes mais interessantes e originais dos últimos anos, Um lugar silencioso tem outra característica bastante distintiva: quase todos os diálogos que ocorrem no filme são em língua de sinais. Isso pode causar a impressão de que o filme seria chato ou difícil de acompanhar, mas a verdade é o exato oposto. Graças a um roteiro de qualidade e a um suspense muito bem elaborado (com doses de drama), a platéia não consegue desgrudar os olhos da tela da primeira cena à última cena.

O filme mostra como uma família do interior dos EUA tenta sobreviver após alguma calamidade de proporções globais. Criaturas misteriosas e letais caçam os sobreviventes. Para escapar delas, é preciso manter o mais completo silêncio, pois elas são atraídas pelo som.

Logo na cena inicial, um close no aparelho auditivo de uma das crianças da família revela como esta tem feito para se comunicar e sobreviver em um mundo em que falar pode resultar em morte: usando a língua de sinais aprendida para se comunicar com a filha surda, que é interpretada pela jovem atriz Millicent Simmonds, que é surda na vida real e que faz um trabalho excelente no papel. 

O papel da língua de sinais e da surdez da menina na trama não se limita a fornecer o instrumento de comunicação para a família; outros aspectos centrais do desenvolvimento da trama e da sua conclusão giram em torna da surdez da menina.

Trailer 1 do filme:

 

Língua de sinais americana x brasileira

Além de ser para todos os públicos, o filme deve interessar de modo específico às pessoas da área de letras e linguística, envolvidos ou não com o estudo de línguas de sinais. Um lembrete a ser feito é que os atores não estão usando LIBRAS, que é a língua de sinais específica da comunidade surda brasileira, mas a língua de sinais americana, conhecida com ASL (American Sign Language).

Como ocorre com as línguas orais, as línguas de sinais apresentam variação entre si na sua estrutura e no seu vocabulário, pois também são línguas naturais, que surgem e se desenvolvem espontaneamente a partir da interação entre os seus usuários.

O filme consegue mostrar muito bem como as línguas de sinais também possuem uma grande capacidade expressiva.

 

Trailer 2 do filme